Investimento em educação e desenvolvimento humano: América Latina x outros paíse

Investimento em educação e desenvolvimento humano: América Latina x outros paíse

I. Objetivo

Um dos maiores desafios das ciências sociais, em toda a sua existência, tem sido a tentativa de explicar quais são os parâmetros que permitem uma distinção clara sobre os reais motivos que distinguem o desenvolvimento humano entre diferentes nações.

Inúmeras teorias já foram desenvolvidas a respeito do tema. Aspectos históricos, geográficos, étnicos, culturais, econômicos, enfim, uma vasta gama de fatores influentes já foi estudada como forma de justificar porque algumas sociedades são mais avançadas do que as outras.

Nas últimas décadas, a educação vem se destacando como um dos principais instrumentos que exercem influência sobre o padrão de vida de uma sociedade. É uma tese filosoficamente defensável. Do ponto de vista da teoria econômica, da mesma forma, a relação entre as duas variáveis é provável. Quanto à filosofia, pode-se argumentar que um povo culturalmente mais avançado tem maiores condições de construir uma sociedade com um padrão de vida mais elevado, com padrões éticos e de relacionamento humano bem solidificados. No que se refere à economia, quando a formação da mão-de-obra passa a se dar de uma forma que amplie sua qualidade e sua capacidade, e quando o avanço da educação propicia a formação de uma classe empresarial bem preparada, então não há como negar que o padrão de vida desta sociedade deve crescer.

A relação empírica entre educação e desenvolvimento, contudo, sempre foi mais difícil de mostrar. Esta dificuldade se concentra na questão do prazo necessário entre as ações e seus efeitos. Investir em educação em um determinado ano não traz, naturalmente, benefícios imediatos, por exemplo, já para o ano seguinte. Dificilmente se encontrará relação entre a evolução do padrão de vida de uma sociedade de um ano para o outro e a magnitude de seu investimento em educação.

O extenso prazo de tempo necessário para a maturidade do investimento educacional se mostrou um desafio para os defensores da tese de que é esta a verdadeira mola do desenvolvimento social. Os teóricos que se baseiam em dados de curto prazo podem encontrar motivos para duvidar desta tese. Contudo, o que não falta são indícios, dados históricos que permitem chegar a esta conclusão.

Um dos casos mais claros é o do Japão, que nos últimos 50 anos saiu de uma sociedade arrasada pela II Guerra Mundial e uma economia essencialmente agrícola para se tornar uma das nações industriais mais potentes do mundo e, ainda mais importante do que isso, atingir um elevadíssimo padrão de vida para seus cidadãos. O que distingue o caso do Japão dos casos, por exemplo, dos países mais ricos do Mercosul, Brasil, Argentina e Uruguai, que há 50 anos não estavam com os problemas econômicos e sociais dos japoneses, mas que foram por eles ultrapassados com uma velocidade impressionante? Esta explicação pode ser dada de várias maneiras, que incluem a política econômica adotada por todos estes países no período. A razão estrutural, de longo prazo, que distinguiu os países e que tanta diferença fez entre eles encontra-se na educação. Enquanto no Japão a formação educacional sólida do cidadão é fundamental e sobre ela o Estado investe pesadamente, no Mercosul a realidade é distinta, com os governos, nas últimas décadas, dando preferência a outras áreas de desenvolvimento, em detrimento da educação. Este trabalho tem o objetivo de analisar a verdadeira relação entre as variáveis investimento em educação e desenvolvimento humano. A metodologia utilizada será a de comparação de dados entre diferentes países, sendo estes agrupados em regiões geográficas de modo que se possa tecer, também, uma comparação regional. O estudo tomará como base a América Latina, onde se concentram, como se sabe, boa parte dos países que recebem a alcunha de “em desenvolvimento”. A partir dos dados disponíveis desta região, estará sendo feita a comparação com outros continentes, em especial a Europa, onde é sabido que o padrão educacional alto é reconhecido como instrumento vital para o desenvolvimento e é levantado e respeitado como bandeira política pelos candidatos a cada eleição e pelos representantes da sociedade, depois de eleitos.

Para isso, três conjuntos de informações foram levantados. Em primeiro lugar, dados sobre o total de investimentos públicos em educação em diferentes países e regiões do globo. A partir daí, pode-se ter uma noção clara da diferença de visão dos governos dos países desenvolvidos para os em desenvolvimento. Em um segundo bloco, estarão sendo analisadas informações sobre o desempenho específico do setor educacional em diversos países, em especial na América Latina, com comparações com a Europa e com os Estados Unidos. Ficará claro como o menor investimento leva a um desempenho mais baixo da sociedade dentro da escola. Por fim, no terceiro bloco, estarão sendo visualizadas as conseqüências do quadro apontado nos dois blocos anteriores sobre o padrão de vida da sociedade. Ficará demonstrada a relação direta existente entre investimento em educação e desenvolvimento humano.

II. O investimento em educação

Quando se faz análise direta sobre o investimento em educação realizado pelo Governo de cada país, percebe-se uma clara distinção entre as regiões geográficas que compõem, muitas vezes, blocos econômicos.

Dois casos se destacam positivamente: a América do Norte (Estados Unidos e Canadá) e a Europa Ocidental. O percentual médio, em relação ao PIB destes países, que é investido em educação é de 6,3% e 5,6%, respectivamente. São percentuais significativamente altos. Isto fica claro quando comparados aos de outros dois continentes – Ásia e América do Sul, onde estes índices ficam, em ambos os casos, em 3,5%. Já se pode notar, em um primeiro momento, que os países de dois dos três blocos econômicos mais potentes do mundo – a América Anglo-Saxônica e a Europa Ocidental – investem maciçamente em educação. O mesmo não acontece com os países denominados “em desenvolvimento”.

Contudo, é importante destacar que a tendência registrada na última década apresenta um início de reversão deste processo. Concentrando os dados em toda a América Latina e mais o Caribe, nota-se uma evolução forte, crescente e contínua nos investimentos e educação. Estes países, juntos, gastavam com educação, juntos, US$ 33,5 bilhões por ano em 1980. Este número passou a US$ 73 bilhões em 1994. Um crescimento, portanto, bastante expressivo para um período de catorze anos.

Apesar da notória mudança de tendência da macro-região apontada, ainda não se pode concluir que chegou-se a um ponto satisfatório. Comparando-se com o PIB da região, a evolução foi de 3,8% para 4,5%. É uma melhora ainda tímida, e que precisa intensificar seu crescimento para que as conseqüências positivas pretendidas no campo social. O investimento per capita, que já foi de US$ 90, está em cerca de US$ 150 por ano, ainda um indicador baixo.

Vale destacar que, dado o atraso social em que muitos dos países da região se encontram, elevar o investimento em educação para patamares ao nível dos países desenvolvidos é uma necessidade premente, pois trata-se de condição necessária, embora não suficiente, para que esta lacuna que separa as regiões do globo seja diminuída.

Fazendo uma análise global, considerando todas as regiões estudadas, nota-se que um dos indicadores que separam os países desenvolvidos dos em desenvolvimento é justamente o investimento em educação. Enquanto, no primeiro caso, a média de investimento anual é de 5,1% do PIB, no segundo é de apenas 3,9%. A diferença, é verdade, apesar de grande, não parece ter dimensão suficiente para explicar tamanha distância social entre os países. Deve-se levar em consideração que o volume de recursos envolvidos nos países desenvolvidos é muito maior – porque a produção, neste países, é muito mais elevada. Este abismo que separa as duas realidades fica evidente quando se fala em valores absolutos: são US$ 48 per capita aplicados em educação pelos países em desenvolvimento, contra US$ 1.211 per capita pelos países desenvolvidos. O mínimo que se deve esperar, e até exigir, dos países do primeiro bloco – como os da América Latina – é que seus Governos igualem a marca, em percentual do PIB, alcançada pelos países desenvolvidos. Abrindo um parênteses para o caso brasileiro, sua realidade mostra bem a disparidade entre regiões e dentro das regiões. Os gastos públicos com educação no país estão abaixo dos padrões dos países desenvolvidos.

São cerca de US$ 320 por ano, per capita. Representa um terço do índice dos países desenvolvidos. Mesmo assim, está bem acima da média mundial dos países em desenvolvimento. O caso brasileiro é típico: a grande barreira ao desenvolvimento sustentado do país está na falta de formação de sua mão-de-obra. O atual Governo vem fazendo um esforço para ampliar e melhorar estes investimentos, baseado na visão de longo prazo dos retornos alcançáveis. Mesmo assim, os gastos estão aquém do necessário.

Outro destaque que deve ser dado ao caso brasileiro, utilizando dados de outros países do Mercosul e da União Européia, é a disparidade entre os investimentos destinados a cada um dos cursos. O privilégio dado ao Ensino Superior é evidente. Enquanto na OCDE há um certo equilíbrio na distribuição de gastos entre os cursos – sendo o menor gasto por aluno, na Educação Infantil, de US$ 3.100, e o maior, no Ensino Superior, de US$ 9.000 -, no Brasil a disparidade é gritante – de US$ 600 para US$ 14.000. Isto pode levar a crer que o investimento em educação é direcionado e, portanto, pode vir a ser melhor do que na Europa. Contudo, como vimos, no total dos níveis o Brasil perde de longe para a Europa quanto ao montante investido. Além disso, fica evidenciado o desequilíbrio na aplicação dos recursos públicos – 19% dos gastos em educação são direcionados a 2% dos alunos matriculados na escola pública. O resultado desta disparidade é um péssimo ensino até o Ensino Médio e um ótimo ensino no Superior – onde os alunos que estudaram na escola pública não conseguem chegar. A falta de investimento em educação, no Brasil, tem seu efeito social ampliado, portanto, pelo seu direcionamento parcial.

Esta disparidade é encontrada, embora em menor escala, no Chile, no qual o gasto por aluno varia de US$ 1.300 na Educação Infantil para US$ 10.000 no Ensino Superior. A amplitude, embora bem grande, é bem menor do que a brasileira.

De qualquer forma, os dados evidenciam que, até o Ensino Médio, a diferença de investimento por aluno entre os países do Mercosul e os da Europa Ocidental são gritantes. Estes últimos investem, por ano, por aluno, em média o triplo do que Brasil, Argentina, Chile e Uruguai. No Superior, Brasil e Chile superam a OCDE, o que sem dúvida agrava ainda mais o quadro de desigualdade interna. A educação de base, portanto, é muito mais privilegiada nos países desenvolvidos do que nos países em desenvolvimento. A esta conclusão já se pode chegar.

Analisando mais a fundo a diferença de montante de investimentos, chega-se aos salários pagos aos professores nas duas regiões do mundo – América Latina e Europa. É importante analisar este dado porque ele representa um dos principais itens de custo dentro do funcionamento do sistema educacional. Ao entrarmos neste mérito, percebe-se que a disparidade aqui é ainda maior. Destaquem-se dois casos: o da 1ª a 4ª séries e o do Ensino Médio. No primeiro caso, o salário médio calculado entre países do Mercosul é de US$ 7.000 por ano. Na OCDE é superior a US$ 25.000 – uma diferença, portanto, de 3,5 vezes, superior à do investimento total. No caso do Ensino Médio, os valores passam a ser de, repectivamente, US$ 8.400 e US$ 30.100 – também 3,5 vezes. Isto demonstra, mais uma vez, que os países do Mercosul, além de investirem pouco, investem mal. Os seus gastos com a mão-de-obra qualificada para a execução do processo de ensino e aprendizagem – o professor – são de proporção ainda menor do que se utilizarmos o total de investimentos em educação como parâmetro. Fica claro que boa parte do já escasso dinheiro destinado à educação não chega à sala de aula, ficando retido em outros custos do processo que não os relacionados com os professores. Com isso, a conquista de pessoal qualificado para trabalhar na transmissão de conhecimentos fica prejudicada, em especial no que se refere à concorrência com a iniciativa privada. Um projeto de aumento nos gastos educacionais nestes países passaria, necessariamente, pela melhoria dos salários dos docentes, o que facilitaria a conquista de bons profissionais para o trabalho. Fazer o dinheiro público chegar à sala de aula, bem como melhorar o salário dos docentes, seria uma das principais sugestões a se fazer aos governos latino-americanos. A garantia da conquista do resultado desejado – uma educação com excelência e qualidade – pode ser verificada pelo exemplo do ensino privado no Brasil. O salário médio das escolas privadas da principal unidade federativa, São Paulo, excluindo-se o Ensino Superior, é de US$ 17.200 por ano, muito acima, portanto, dos pagos pelo ensino público. O resultado é exemplar. A qualidade das escolas privadas do estado de São Paulo é de primeiro nível, comparável à obtida nos países europeus mais avançados. Com isso fica claro que o investimento financeiro em educação – em especial em salário dos professores e desde que o dinheiro chegue à sala de aula – tem retorno garantido. Basta fazê-lo.

Um último destaque que deve ser dado na disparidade entre os dois blocos – América Latina e Europa – está na centralização do investimento. Já vimos que, no total, a Europa investe o triplo da América Latina. Contudo, se analisarmos somente os gastos do Governo Central, chegaremos à falsa impressão de que neste último continente o investimento é maior. Os gastos com educação feitos pelo Governo Central são de 7,7% do total de gastos públicos na Europa. Na América Latina são de 14,5%. Ocorre que os modelos educacionais são diferentes – na Europa, muito mais descentralizados, o que permite uma maior autonomia regional e um melhor controle dos gastos efetuados. Este modelo é, como os próprios fatos podem mostrar, muito mais adequado para que se atinjam os objetivos da educação pública. A América Latina precisaria passar, desta forma, por um programa de descentralização de sua educação, o que não necessariamente acarretaria gastos adicionais – pelo contrário, a tendência de médio prazo é que se conquistem economias importantes que poderão ser direcionadas de uma maneira mais eficaz, ainda dentro da própria educação.´

III. O output educacional

Como vimos, em termos de destinação de valores monetários os países desenvolvidos estão muitos passos à frente do resto do mundo. Este é um fator claramente diferenciador entre eles, por ser, conforme já dissemos, uma das causas da existência de blocos distintos quanto ao grau de desenvolvimento. O resultado da aplicação de volume financeiro maior é evidente na sociedade. Neste primeiro momento, vamos nos ater aos indicadores educacionais, centrando a atenção na América Latina e, por vezes, comparando-a com outros países do mundo.

Como investe pouco, as estatísticas educacionais levantadas na América latina são sofríveis. A taxa de repetência, por exemplo, ultrapassa 33%. Isto significa que para cada 3 alunos na escola, 1 já repetiu pelo menos uma vez. É um indicador assustador que tem conseqüências sociais e econômicas. Sociais, porque atrasa o ingresso do estudante no mercado de trabalho e aumenta a distância de tempo para o momento em que começará a obter retorno pelo tempo dedicado aos estudos – o que diminui sensivelmente sua chance de concluí-los. Do ponto de vista econômico, encarece brutalmente a manutenção das escolas públicas, pois o número de alunos matriculados se torna muito maior do que deveria ser se a repetência estivesse em um nível aceitável.

Tal análise se mostra clara se comparadas as taxas de matrícula no ensino primário da América Latina com a Europa. Esta taxa é calculada dividindo-se o número de estudantes no ensino primário pelo número de jovens em idade correspondente na sociedade. Quando este indicador é maior do que 100%, significa que, por causa da repetência, existe muito mais gente na escola do que deveria, se os índices de aprovação fossem maiores. Isto acontece nos dois continentes. Na Europa, a taxa de matrícula é de 102,1% – muito próximo do índice ideal de 100%. Na América Latina, contudo, é de 107,6%. Muita gente comemora este indicador, tomando como conclusão que toda criança está na escola. As estatísticas mostram, contudo, que ele só é conquistado à custa da alta repetência, o que reduz a possibilidade de sucesso do processo e aumenta substancialmente seu custo. Não há, portanto, o que comemorar, só a se lamentar.

Esta realidade se torna ainda mais clara quando verificamos que apenas 21% dos alunos na 7ª série das escolas na América Latina nunca repetiram de ano. De cada cinco alunos nesta série, quatro deveriam estar mais adiante. É fácil imaginar o efeito disto no custo da manutenção das escolas públicas em relação ao volume de alunos formados a cada ano. Este aproveitamento, nestes casos, não pode deixar de ser sofrível.

Como conseqüência de um sistema educacional onde se investe pouco e que produz pouco, a composição da sociedade, em termos de formação de seus cidadãos, é fortemente afetada. No Brasil, quase 80% da população adulta não chegaram a freqüentar o Ensino Médio, parando no Fundamental, completo ou incompleto. Dos países da Europa Ocidental, somente em Portugal e na Espanha se encontram realidades semelhantes. Ainda assim, em ambos os casos a existe predominância de adultos com Ensino Superior sobre aqueles que pararam no Ensino Médio, fenômeno que não de dá no Brasil, onde pessoas que completaram todo o ciclo educacional são exceção. Nos demais países o equilíbrio na sociedade é maior. Destaquem-se os casos da Alemanha, dos Estados Unidos e do Canadá, onde pessoas apenas com Ensino Fundamental são em torno de 20% do total. Não por acaso, são três dos países de melhor desempenho econômico e onde o padrão de vida do ser humano é mais elevado. O número de horas ministradas aos alunos nos diferentes países também é uma variável que merece ser analisada. Fica claro, também aqui, como a disparidade financeira em termos de volume de investimento acaba, inevitavelmente, se convertendo em uma disparidade na estrutura do mundo real. Tomemos o caso do Brasil. A legislação em vigor estabelece um mínimo de 800 horas-aula, distribuídas por um mínimo de 200 dias letivos durante o ano. A realidade mostra, contudo, que o total de horas de ensino efetivamente ministradas é de 667 por ano. Entre os países da Europa Ocidental, este número é de 838 – portanto, mais de 25% maior. Os alunos do continente europeu têm, desta forma, uma dedicação significativamente maior do que os brasileiros.

Outro indicador que mostra a disparidade entre os outputs educacionais dos dois continentes é a quantidade de alunos que passam pelo primário e chegam à 5ª série. Trata-se, na verdade, da análise da evasão escolar. Na Europa, 98,3% dos alunos que passam pelo primário chegam à 5ª série. Em alguns países, como Noruega e Suíça, este indicador chega aos 100%. Já na América Latina a situação é bem diferente. Apenas 71,3% dos alunos chegam à 5ª série. Isto significa que estes países perdem quase 30% de sua massa estudantil antes mesmo da metade do período do Ensino Fundamental. Trata-se de um exército de cidadãos com formação cultural insuficiente para a batalha do mercado de trabalho. O desenvolvimento social desta sociedade ficará, portanto, bastante prejudicado.

Aqui, como em inúmeros outros momentos deste trabalho, um paralelo entre investimento e qualidade na educação e o desenvolvimento e padrão de vida da sociedade fica bem evidenciado. Independentemente disso, duas análises adicionais de cruzamento de dados merecem ser efetuadas.

A primeira se refere a tempo de escolaridade e riqueza pessoal. Na América Latina, onde, como veremos, a concentração de renda é muito mais alta do que na Europa, as condições para questionamento dos motivos desta má distribuição são muito boas. Inúmeros motivos de ordem econômica – como tributação excessiva e inflação – podem ser levantados. A disparidade educacional, contudo, é a mais evidente. Fazendo uma análise somente sobre a faixa composta pelo 10% mais ricos dentro de cada país, em média essas pessoas têm 11,4 anos de estudo. É pouco para os padrões europeus, mas muito do ponto de vista interno das sociedade latino-americanas. Entre os 10% mais pobres, o tempo de escolaridade é de apenas 4,2 anos. Uma diferença gritante num indicador que cruza renda com escolaridade – eis mais um forte indício de como a educação alavanca um país. O mesmo princípio que vale entre os cidadãos é válido, também, entre países.

Este cruzamento de dados fortifica ainda mais a sua conclusão se analisarmos a composição escolar dos 10% mais pobres. Destes, mais de 60% não passaram do primário. A influência mútua dos dados fica bem nítida.

Pode-se perceber, desta forma, que os países que investem mais em educação conseguem, em um primeiro momento, indicadores dentro deste setor muito melhores do que os demais países. Fica evidenciado que a melhoria dos indicadores educacionais passa, sem dúvida, pela quantidade de dinheiro investida pelos governos.

Contudo, ainda mais rica fica esta análise se estendida para além dos limites da educação. É interessante analisar, também, os indicadores de padrão de vida da sociedade, comparando os países que investem muito com os que investem pouco em educação.

IV. Os indicadores sociais

Conforme exposto acima, é preciso analisar as resultados obtidos pelos maiores investimentos em educação e pela obtenção de melhores indicadores no setor educacional dos países europeus, em contrapartida aos da América Latina, que investem bem menos em educação e têm um desempenho, neste setor, bem mais tímido.

Afinal, a melhoria da educação não pode ser um fim em si mesma. Não seria defensável, se assim fosse.

Alguns indicadores, de origens bem variadas, foram eleitos para fazer-se esta comparação.

Inicialmente, ainda falando de distribuição de renda, pode-se falar sobre um indicador de sua concentração. Dividindo-se a renda obtida pelos 20% mais ricos pela renda auferida pelos 40% mais pobres de cada país, obtém-se um índice de 2,16 na Europa Ocidental. Já na América latina este mesmo índice é, em média, de 5,02. O mal da concentração de renda é um problema que aflige com intensidade muito mais significativa os países em desenvolvimento. Os números mostrados neste estudo confirmam esta tese. A deficiência da educação pública nestes países é, sem dúvida, um dos motivos principais desta realidade. Formam-se pequenos contingentes de mão-de-obra bem formada, contra uma enorme massa de pessoas sem qualificação suficiente para a busca de boas colocações no mercado de trabalho. Nestas condições, ocorre um forte desequilíbrio entre oferta e demanda nos dois segmentos de mercado: na parte qualificada, que se ressente de oferta de mão-de-obra, e na não-qualificada, em que há excesso de pessoas buscando colocação. Nestas condições, a diferença salarial encontrada entre os maiores rendimentos e os menores se torna enorme. A pirâmide dos trabalhadores distinguidos por sua qualificação apresenta uma base enorme e um topo muito estreito. A concentração de renda, mal tão combatido pelas organizações governamentais internacionais, como a ONU, tem no investimento na educação uma das principais medidas para seu combate.

Fica ainda mais clara esta necessidade quando a concentração de renda na América Latina é exposta da seguinte forma: 40,4% da renda estão concentrados nas mãos dos 10% mais ricos da população. Em contrapartida, 1,2% da renda está com os 10% mais pobres. Qualquer política de melhoria das condições sociais destes países deve passar pela busca de uma melhor distribuição de renda.

Enquanto isto não acontecer, as condições sociais dos países em desenvolvimento continuarão deixando a desejar. Destes, os que apresentam as melhores condições de vida são os do Mercosul – em especial a Argentina e o Uruguai. Mesmo assim, a colocação destes países no Índice de Desenvolvimento Humano – IDH -, indicador internacional que leva em consideração as condições de padrão de vida de cada um dos países, é medíocre. A Argentina, país mais bem colocado no Mercosul, está apenas na 36ª posição. O Uruguai está bem próximo, em 38º. O Brasil, país de dimensões continentais e de área natural extremamente própria para plena ocupação, está num distante 62º lugar. São posições inaceitáveis para países de tanta importância no cenário internacional.

As disparidades entre os dois blocos podem ser exergadas em praticamente todos os indicadores sociais e de padrão de vida analisados. A mortalidade infantil é um deles.Na Europa, 5,4 crianças, em cada mil, morrem antes de completar 1 ano de idade, e 6,1 antes de completar 5 anos. A distância da América Latina é enorme. 31,9 crianças em cada mil morrem antes de 1 ano, e 32,6 antes dos 5 anos. Esta indicador é seis vezes pior na América Latina do que na Europa Ocidental. E tem tudo a ver com o padrão de vida da sociedade.

A expectativa de vida, por sua vez, também merece atenção especial. Atualmente, é de 77,1 anos na Europa. Na América Latina, é de 70,8 anos. Esta diferença, da ordem de 10%, pode, à primeira vista, parecer pouco. Mas, como estamos comparando idades de pessoas, que têm um limitador de tempo relativamente próximo às médias acima apresentadas, a distância é muito grande. A Europa está próximo, já há muito tempo, de um máximo que não poderá mais ser ultrapassado por questões de natureza biológica. À América latina ainda resta um longo caminho a ser trilhado neste indicador.

O índice de crianças nascidas abaixo do peso dá uma idéia da preocupação social e do desempenho dos países neste campo. Na Europa, 5,2% das crianças nascem abaixo do peso. É um percentual elevado, que mostra que se trata de fato muitas vezes inevitável e contra o qual pouco se pode fazer. Mas a média da América Latina é muito mais alta: 9,9%, quase o dobro da européia. Esta enorme diferença demonstra que o padrão social do país influi também nas condições de saúde no nascimento. Este se torna, desta forma, mais um indicador a ser considerado na avaliação de desempenho social destes países. Um critério que merece ser mostrado, embora não concorra com a tese deste estudo, é o índice de vacinação contra sarampo. Este é, como se sabe, um dos males que mais afligem os países, por ser extremamente contagioso e por apresentar sintomas que, se não tratados devidamente, podem causar a morte ou seqüelas irreversíveis. Pois bem, o índice de vacinação é maior na América Latina – 83,6% – do que na Europa Ocidental – 82,4%. São muito próximos, é verdade. Mas significa que, em determinados campos, os governos da América Latina já deram alguns passos importantes que estão faltando ser dados na educação. O investimento na prevenção de certas doenças é um destes casos.

Outro indicador em que ambos os continentes estão muito próximos é a relação entre a expectativa de vida dos homens e das mulheres. Sabe-se que as mulheres vivem mais do que os homens, e qualquer desvio nesta regra natural nas estatísticas de um país representa alguma anormalidade ou tipificidade específica que merece ser estudada, e que, dificilmente, irá significar alguma coisa boa a respeito deste país. Tanto na Europa quanto na América Latina as mulheres vivem 8% mais do que os homens. Não existe desvio em nenhum dos continentes, nesta análise.

Um terceiro indicador que poderia levar à conclusão de que a América Latina está melhor do que a Europa – conclusão, neste caso, falsa – é a taxa de mortalidade. De fato, esta taxa é de 10,2 por mil na Europa e de 6,4 por mil na América Latina. Esta diferença, nem de longe, pode se entendida como existência de melhor padrão de vida na América Latina. Temos, aqui, a influência direta da expectativa de vida, já estudada anteriormente, e da taxa de natalidade, que será vista em seguida. A pirâmide etária da Europa há muito tempo não é mais uma pirâmide, passando a ter uma forma parecida com um quadrado ou, algumas vezes, uma pirâmide de cabeça para baixo. Estas sociedades envelheceram , de forma que a participação das pessoas de idade avançada sobre o total da população aumentou significativamente. Com isso, a taxa de mortalidade expressa-se maior. As sociedades da América Latina são mais jovens, e por isso a taxa de mortalidade é menor. Não há, aqui, portanto, o que comemorar para as sociedades latino-americanas.

A taxa de natalidade, por sua vez, mostra bem o avanço social de um país. O mundo civilizado encontra-se, há algum tempo, em campanha aberta a favor da queda da natalidade, em especial nos países em desenvolvimento. Ela vem caindo rapidamente, mas ainda está muito longe da apresentada pelos países desenvolvidos. Na Europa, é de 11,4 por mil. Na América Latina, de 25,3 por mil. Ainda é mais do que o dobro. Falta evoluir muito neste campo social.

O número de filhos por mulher dá uma boa escala deste problema. Na Europa Ocidental, cada mulher tem, em média, 1,6 filho. Isto significa que, isolando-se a questão da mortalidade, a tendência de longo prazo é de diminuição da população total destes países. Na América Latina, o número de filhos por mulher é de 3,1. Apenas Cuba está abaixo dos 2 filhos. Outros, como Brasil e Uruguai, estão próximos.

Isto tudo deságua no crescimento populacional. Nos dezesseis anos compreendidos entre 1980 e 1996, a população da Europa ficou praticamente estagnada, crescendo a uma tímida taxa média de 0,31% ao ano. Já na América Latina, no mesmo período, o crescimento médio anual foi de 1,91%. Portanto, há muito ainda o que investir em desenvolvimento social nos países deste último continente.

A urbanização é uma característica que, em boa parte dos casos, pode ser entendida como positiva para a sociedade. É claro que deve se olhar para esta conclusão com bastantes ressalvas, pois a urbanização nem sempre caminha no mesmo sentido da melhoria das condições sociais e de padrão de vida. Contudo, na análise de vários países e de uma população de quase 1 bilhão de pessoas, pode-se aceitar esta premissa como uma afirmação que, na média, é verdadeira. Por isso, pode-se analisar o fato de que a urbanização na Europa é de 73%, enquanto na América Latina é de 66%, como mais um fator que tende a mostrar as melhores condições sociais no Velho Continente.

O crescimento médio do PNB per capita do país nos 10 anos compreendidos entre 1985 e 1995 traz uma informação bastante valiosa a ser analisada quanto ao desempenho dos países dos dois continentes. Pois bem, enquanto na Europa o crescimento médio anual foi de 2%, na América Latina foi de apenas 1,2%. Este fato faz com que se chegue a duvidar da própria alcunha de países “em desenvolvimento”, dada a este continente. Afinal, esta taxa de crescimento é bastante tímida, muito abaixo de suas reais necessidades sociais.. Somente reformas estruturais nestas sociedades podem mudar esta tendência de longo prazo. A melhoria das condições educacionais, especialmente em tempos de globalização, como veremos mais à frente, é condição indispensável para que se retome o crescimento econômico sustentado.

É importante notar que falamos apenas do crescimento médio do PNB, sem entrar, ainda, no mérito de seu valor absoluto, sobre o qual falaremos mais à frente.

Um antigo mal que aflige as economias em desenvolvimento foi a inflação, agora em processo de controle em boa parte deles. No decênio 1985-1995, contudo, ela estraçalhou economias. Enquanto na Europa a inflação média anual foi de 4%, na América Latina foi de 169%. Embora temporariamente sob controle, este índice mostra o desequilíbrio possível em sociedades sem avanço social. Tal fato dificilmente se daria, salvo ocasiões especiais, como guerras ou intempéries naturais, no solo europeu. Ainda assim, é importante ressaltar que as sociedades latino-americanas, apesar de terem domado, nos últimos quatro anos, o dragão da inflação, ainda o consideram latente. Prova disso foi o desequilíbrio e a desconfiança do mercado brasileiro quanto ao possível sucesso do prosseguimento do controle de preços após sua crise cambial, em janeiro último. O descontrole monetário ainda é uma ameaça premente nas economia do continente. Por isso, a inflação também pode ser considerada um indicador no qual a Europa Ocidental também supera, de longe, a América Latina. Esta só poderá se dizer livre em definitivo deste mal quando suas estruturas econômica e social estiverem mais sólidas. Os investimentos em educação passam necessariamente por isso.

Um outro parâmetro que dá uma boa idéia do padrão de vida é o acesso às informações que a sociedade tem. Para medir isso, o número médio de rádios e TV’s por habitante é muito interessante. Na Europa, são 792 rádios e 453 TV’s para cada mil habitantes. Na América Latina, estes mesmos parâmetros apontam para 359 rádios e 154 TV’s. Estamos diante de um quadro em que a Europa apresenta mais do que o dobro de rádios e quase o triplo de TV’s por habitante. O acesso à informação é, portanto, muito mais disseminado no Velho Continente do que no latino-americano. Alguns indicadores ligados à mulher são interessantes de se analisar. Em primeiro lugar, a disseminação do uso de anticoncepcionais. Na Europa é de 74%, enquanto na América Latina está em somente 59%. Este é um parâmetro em que é indiscutível a influência direta da educação. Os partos assistidos por pessoal treinado, que na Europa são de 99%., representam apenas 79% do total na América Latina. São fortes indicadores da diferença de avanço social nos dois continentes. Por fim, a taxa de mortalidade materna, ou índice de mães que morrem durante o parto. Esta taxa é de 10,7 por dez mil na Europa. Na América Latina, é de 152,6 por dez mil – portanto, quase quinze vezes mais. As mulheres estão, de forma geral, muito mais desassistidas nos países em desenvolvimento.

Para encerrar as comparações, nada melhor do que o parâmetro econômico mais utilizado na comparação entre países: o PNB, ou Produto Nacional Bruto, per capita. Este índice dá uma noção da riqueza econômica de um país em relação à sua população. Apesar de não dizer nada diretamente sobre o padrão de vida da sociedade, é um indicador direto de seu poder de compra. Vejam, aqui, o abismo que separa os dois continentes: na Europa Ocidental, o PNB per capita é de US$ 23.500. Na América Latina, de apenas US$ 2.100. É uma diferença superior a dez vezes. Muitos motivos podem ser citados para este abismo. O principal deles já dissemos e, agora, reforçamos: os países europeus sempre investiram pesadamente em educação. Os latino-americanos, por uma deliberada política de seus governos, tiveram outras prioridade. A conseqüência é bem visível.

V. Conclusão

Fica bem demonstrado, empiricamente, o quanto existe de diferença no padrão de vida e no contexto econômico, quando comparados os países desenvolvidos – aqui tomados, na maior parte das vezes, a partir da Europa Ocidental – com aqueles que recem a alcunha de “em desenvolvimento”- para os quais se utilizou a América Latina como exemplo.

Esta diferença não tem uma razão única, mas tem uma principal: a prioridade de investimento de seus governos nas últimas décadas. Mostramos, no trabalho, a incrível diferença que existe no investimento na educação entre os dois conjuntos de países. Esta é a verdadeira causa do problema.

Os pressupostos dos governos latino-americanos é que têm se mostrado errados. A análise tem sempre se centrado no curto prazo, em detrimento do longo prazo. A visão da maioria dos governantes quanto ao objetivo a ser alcançado tem sido muito mais a reeleição do que, propriamente, o bem-estar sustentado, de longo prazo, de seus países. E a educação, conforme já dissemos, demora a mostrar seus frutos. Não é investimento de retorno imediato. Por isso, é uma plataforma política mais fraca, por exemplo, do que gastos em obras e em infra-estrutura física. Enquanto prevalecer esta visão de curto prazo nos governos, esta situação não será revertida, pois a educação não passará a ser a prioridade. A mudança de postura dificilmente partirá dos governos. Caberá à sociedade, através de sua participação ativa nos processos políticos, demonstrando a opinião pública, mostrar que deseja esta transformação. Isto só ocorrerá quando todos estiverem cientes da emergência desta mudança de atitude. Por isso é tão importante alertar, tanto quanto, possível, para a verdadeira plataforma política que se faz necessária de imediato: o fortalecimento da educação nestes países.

Todo investimento, tanto público quanto privado, merece uma prévia análise de retorno. Este pode ser medido de forma qualitativa ou de forma quantitativa. O investimento em educação tem ambas as características. O que merece mais destaque é o retorno qualitativo, pois este se sustenta no longo prazo. O desenvolvimento econômico conquistado por alguns dos países da América Latina, como o Brasil, recentemente, devem-se muito a fatores conjunturais, como abertura econômica e queda na inflação, do que estruturais, como seria no caso de um resultado obtido por uma educação de maior qualidade. Por isso, os retornos obtidos por este desenvolvimento são de curto prazo, não havendo sustentabilidade garantida para eles no longo prazo – o que só ocorreria com reformas estruturais, em especial na educação.

Em um mundo globalizado, as condições de produção estão, obrigatoriamente, tendo de se aproximar entre os países, pois as barreiras comerciais estão caindo rapidamente. Poucas condições deverão variar de um país para o outro. As principais são aptidão natural para produção de determinado bem, nível de tributos internos de cada país e qualificação e remuneração da mão-de-obra. Esta última é fundamental para a competitividade internacional – a qualidade dos produtos depende dela. Eis porque, também na esfera econômica, investir em educação é fundamental.

Fazendo uma analogia entre a ação de um Governo e de uma empresa, ou dos governantes com a de empresários, verificamos que os objetivos das ações destes últimos se centram na conquista de um valor crescente para sua empresa. Deverá planejar e executar seus atos tendo como prioridade a maximização de seu capital. O mesmo raciocínio deve ser válido para o governante. O que deve ser maximizado, aqui, é o valor da sociedade que comanda, ou, em última análise, o valor individual de cada cidadão, ou seja, sua qualidade de vida. Existem inúmeras formas de se conquistar este objetivo, mas a mais direta e eficaz é dando-lhe condições para cada cidadão procure conquistá-lo de forma individual – e isto só pode ser feito através de uma boa e generalizada educação.

(Imagem: Nadya So/iStock.com)

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Atualizado: 10/08/2020