Como somos afetados pela crise norte-americana

Como somos afetados pela crise norte-americana

No mês de setembro o mundo foi abalado por uma forte crise econômica oriunda dos Estados Unidos. Há muito tempo se falava em problemas de vulnerabilidade do estágio de liquidez e crescimento econômico que estava sendo observado nos últimos anos. Algumas fraquezas se mostravam evidentes, sendo que uma das mais fortes e comentadas provinha do mercado imobiliário norte-americano.

Tratava-se de uma fraqueza estranha, alheia ao cotidiano da imensa maioria das pessoas. Vez por outra algum noticiário falava dos tais títulos subprime. Outros falavam das dificuldades de sustentação das hipotecas nos Estados Unidos. E ainda outros acenavam com um certo estouro da bolha especulativa.

Apesar dos acenos constantes de que essa crise deixava de ser uma possibilidade para se mostrar uma realidade que se aproximava, todos esses termos ainda pareciam pertencentes a uma realidade distante e isolada de nossas decisões cotidianas.

E eis que, de repente, os fatos se precipitaram e nos vemos, novamente, às voltas com a era da incerteza. Numa segunda-feira, um dos maiores bancos de investimento do mundo, o Lehman Brothers, quebra sem ser salvo pelo Governo ou por alguma outra instituição privada. O mercado mundial desaba. Na segunda-feira seguinte, o Congresso americano reprova um pacote de ajuda das autoridades econômicas americanas às instituições em dificuldade. O mercado mundial desce ladeira abaixo novamente.

Repentinamente vemos o presidente Bush, sempre tão alvissareiro e otimista, aparecer em nossas telas, a pouco mais de 1 mês das eleições, dizendo que a crise é muito grave, e deve piorar a cada dia.

O mundo está verdadeiramente chocado com o que está acontecendo. Não são poucas as vozes a dizer que a economia mundial nunca mais será a mesma, pois o choque para os americanos deve mudar definitivamente o poderio e o comportamento daquele país.

As autoridades brasileiras têm procurado assumir um ar de absoluta tranqüilidade perante a ameaça de crise externa. Segundo elas, os sólidos fundamentos de nossa economia, aliados ao elevado saldo de reservas cambiais, nos dão uma blindagem quase absoluta. Justiça seja feita ao presidente do Banco Central, única voz oficial a reconhecer abertamente os riscos e mostrar pleno entendimento
da questão.

Pois a cada dia que passa a questão se mostra como ela verdadeiramente é: uma crise sem precedentes na maior economia do mundo. Não cabe aqui, neste artigo, entrar no mérito dos motivos que suscitaram esta situação. Podemos resumidamente mencionar que houve sérias falhas nos procedimentos de segurança dos agentes fiscalizadores do sistema financeiro. Princípios básicos de governança e indicadores recomendáveis de solvência e cessão de créditos foram ignorados. O crescimento da bolha de liquidez estava sustentado em bases apodrecidas.

O que importa é que a maior economia do mundo está sendo chamada, agora, a pagar o preço desta inconseqüência. E que, dado o estágio de globalização dos países, esse preço não será pago sozinho por eles.

Alguns abalos relevantes foram sentidos na economia mundial, e na brasileira, nos últimos 12 anos. Ainda estão frescos na memória a crise da bolsa asiática de 1997, a moratória russa de 1998, a quebra do Real em 1999, o World Trade Center em 2001, a moratória argentina em 2001 e a instabilidade por conta da sucessão, ocorrida em 2002. Todos eles trouxeram problemas para o Brasil, especialmente sentidos na forma de inflação e recessão.

A crise que ora se apresenta é, de fato, mais grave do que todas essas anteriores acima listadas. Em todas as outras, a força da economia dos Estados Unidos foi o elemento mais importante para a recuperação de todo o sistema. Desta vez, o mundo não pode contar com esse elemento, pois a crise atual está calcada justamente nas fraquezas da economia americana.

Esqueçam, portanto, os discursos ufanistas que defendem nossa plena blindagem. O contágio da crise é inevitável. Por um lado, a fuga de capitais já começou. Somente nas últimas 2 semanas de setembro deixaram o Brasil US$ 3,6 bilhões. Por outro, as linhas internacionais de crédito já foram reduzidas ou cortadas. Por fim, a demanda externa por nossos produtos já sofreu um forte baque. Não é demais lembrar que nosso crescimento tem se sustentado nas exportações. E, para exportar, é preciso ter um bom produto e compradores – só que estes tendem a minguar com a crise.

Portanto, não há como passarmos incólumes, pois somos agentes ativos no processo da economia globalizada.

O que, aparentemente, pode nos deixar um pouco mais tranqüilos do que os americanos é a solidez de nossos bancos. A atuação responsável do Banco Central e a adoção de mecanismos adequados de controle das instituições – incluindo a existência do Proer – tornam baixa a probabilidade de a crise, no Brasil, chegar ao patamar sistêmico de confiabilidade nos bancos. Apesar desse aspecto positivo, de resto não temos muito a comemorar.

Como nas crises anteriores, esta tende a ter os mesmos efeitos nefastos: inflação e recessão. A dose de cada um é que é incerta. A recessão é quase uma certeza. Em um cenário otimista, pode ser trocada por uma simples redução do nível de crescimento. O próprio Governo, nosso agente mais otimista, já admite que o crescimento do PIB vai cair de 6% em 2008 para 3% em 2009. Se se confirmar a previsão de agravamento da crise nos Estados Unidos, certamente nós vamos crescer ainda menos.

Esta informação interessa diretamente às escolas. Existem 3 indicadores de grande relevância nos orçamentos escolares que serão atingidos: bolsas, inadimplência e taxa de juros. Com a bonança na economia, muitas escolas conseguiram, nos últimos anos, sensíveis reduções em suas taxas médias de descontos concedidos e de inadimplência. Para 2009, não recomendamos nenhum exercício que conte com a continuidade desta melhora. Tudo indica que as classes média e alta sofrerão um aperto em seu poder de consumo.

A taxa de juros, por sua vez, interessa diretamente a uma grande quantidade de escolas. Seja por motivos estruturais, como realização de investimentos, ou por conjunturais, como desequilíbrio operacional, boa parte das escolas tem dívidas a pagar com bancos e terceiros. O alívio nas taxas de juros ocorrido de 2003 a 2008 vinha sendo muito bem recebido. Essa tendência virou. A Selic foi aumentada nas últimas reuniões do Copom, e tudo indica que ela continuará em alta.

A inflação talvez deva ser o inimigo mais temido. As escolas estão em plena fase de decisão de preços para o ano letivo seguinte. Uma decisão que, pela legislação vigente, só poderá ser revista para 2010. As informações disponíveis apontam para um dissídio dos professores da ordem de 8,5%. – já incluindo o aumento real de 1,2 ponto percentual que terá de ser concedido à categorias profissionais por conta dos acordos coletivos já assinados. A grande maioria das escolas deverá tomar sua decisão sobre preço baseada nesta projeção, talvez com algum realinhamento real,
dependendo da circunstância. O problema está no inimigo invisível. Ainda faltam 5 meses para que se componha o período aquisitivo do dissídio dos professores. Um desequilíbrio na inflação entre novembro e fevereiro seria catastrófico para as escolas.

O principal fator motivador desta preocupação é a taxa de câmbio. A fuga de capitais tem feito com que o real tenha se desvalorizado rapidamente em relação ao dólar. Esta situação tem um potencial inflacionário evidente. As escolas já passaram por este problema em 2002 – fixaram seus preços em outubro, e a inflação estourou entre novembro e fevereiro. Purgamos, na época, um dissídio de 16,42%, com a obrigação de pagarmos retroativamente em 6 parcelas mensais. Quem se esqueceu?

Como somos afetados pela crise Norte- Americana. O momento de fixação de preços exige, desta forma, a maior cautela possível. Não há como garantir a decisão correta, mas pode-se minimizar a chance de erro. A primeira dica é retardar tanto quanto possível a comunicação de preços aos pais, de modo a ter uma maior quantidade de dados a respeito da projeção de inflação. A segunda, também recomendável só quando possível, é a aplicação de algum aumento real na anuidade, a título de precaução. A situação não recomenda medidas sem margem de manobra. Como cada ponto percentual representa pouco para os pais, mas muito para o orçamento das escolas, nessa hora crítica é preferível errar para mais do que para menos.

(Imagem: ktsimage/iStock.com)

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Atualizado: 05/08/2020